No Bico do Corvo
Velho como a caverna
O tarifaço não é novidade — é só a versão moderna da velha força bruta econômica. Na pré-história, grupos maiores se impunham aos pequenos na base da porrada e da fogueira. Hoje, chama-se protecionismo comercial, imposto de importação ou ajuste de balança. A diferença é que agora há diplomatas e algoritmos para dar verniz à selvageria. Trump apenas ressuscitou um instinto imperial: ou você fabrica o que eu consumo, ou vai pagar caro para me vender. Civilização, às vezes, é só maquiagem.
Fila do açougue, arena da geopolítica
Quer saber o impacto de um tarifaço? Observe a fila do açougue. É lá que a dona de casa, o servidor e o comerciante sentem no osso (literalmente) o efeito de uma sanção a milhares de quilômetros. E ainda há quem diga que “Trump é gênio”, “fez isso pra livrar Bolsonaro”, ou “desmascarar o Lula”. O problema não é o Trump — é quem acredita em fábulas geopolíticas. Quem paga a conta não é a direita nem a esquerda. É o povo.
Favor confundir: tarifa não é trama
É inacreditável como parte da opinião pública transforma medidas comerciais hostis em teoria da conspiração política. Não, Trump não bolou um tarifaço para “desmascarar” o atual governo brasileiro. Tampouco o fez para proteger o ex. Ele está apenas executando a cartilha nacionalista de sempre, de uma maneira mais bruta: proteger sua indústria, trazer empregos de volta e frear a globalização. O que há, de fato, é uma visão deturpada do Brasil, onde tudo vira jogo de intriga palaciana. Parece um pesadelo, mas Trump quer que plantem café para não importar mais, colham mais laranjas sem a dependências externa; fabriquem componentes para os veículos, reabram as marcenarias, serralherias, e retornem ao modo americano de viver claro, escravizando o resto do mundo. O que mudou foi chicote.
Da Roma antiga a Brasília
Trump não é novo no jogo. Os tarifaços existiam muito antes de Wall Street. Roma já fazia isso quando cobrava pesados tributos das províncias dominadas. Júlio César foi apunhalado por tentar dar voz aos vencidos — queria ampliar o Senado com representantes das colônias. E seu herdeiro, Otávio Augusto, resumiu o espírito expansionista com uma frase que define Trump: “Si non expandimus, moriemur.” (Se não expandirmos, morreremos.)
De “republiqueta” a emergente
A globalização nos deu um apelido mais bonito: países pobres viraram “emergentes”. Mas no fundo, a lógica não mudou. Continuamos exportando grãos, importando chips e esperando que o mercado nos trate com justiça. Quando vem um tarifaço, a fantasia cai: voltamos ao papel de colônia útil, de fornecedor obediente. O problema não está só no que fazem conosco — mas no quanto aceitamos isso calados, travestindo submissão de parceria estratégica.
A culpa é de quem mesmo?
Quando a fatura chega, é mais fácil culpar o governo. Mas o tarifaço não nasceu em Brasília — ele é o resultado da negligência informacional, da ilusão. maledicência e da falta de um projeto soberano de desenvolvimento. Trump não está totalmente errado aos olhos de sua nação — está certo para o eleitorado que quer empregos em Ohio, não lucros em São Paulo. Mas, e o Brasil? Se não reage com inteligência, se não defende seus interesses, só reforça a imagem de “republiqueta” — o que, aliás, não somos. Ou não deveríamos ser.
Um chá de bons modos na Escócia
Enquanto o Brasil tenta entender e decifrar o imbróglio, a União Europeia foi recebida com chá e negociação no campo de golfe de Donald Trump, na Escócia. O resultado? Tarifas reduzidas a 15%, investimentos europeus de US$ 600 bilhões em solo americano e sorrisos para fotos com Ursula von der Leyen. Já o Brasil… ficou na fila. Nenhuma sinalização de alívio. Os 50% seguem mantidos — como punição ou desprezo.
Japão respira
Nem só os europeus escaparam do tarifaço. O Japão, historicamente prudente e alinhado aos interesses dos EUA, também garantiu o mesmo índice de 15% nas tarifas. Enquanto isso, o Brasil continua no grupo dos “nãos consultados” — nem convidados para a partida de golfe, muito menos para a reunião de cúpula. O reflexo é imediato: negócios em marcha lenta, incertezas no mercado e o setor automobilístico paralisado. E o consumidor já sente: preços travados, estoques represados e carros usados virando objeto de desejo.
O peso da indiferença
Trump não suaviza com o Brasil. E o mais preocupante não é o percentual da tarifa, mas o silêncio do Itamaraty. A ausência de reação oficial, a falta de pressão diplomática e o vácuo estratégico criam uma imagem desastrosa: o Brasil parece irrelevante aos olhos da Casa Branca. Enquanto Ursula brilha na capa dos jornais e o Japão comemora nos bastidores, o Brasil amarga essa incerteza.
Seu Maduro, quem diria
Foz do Iguaçu sabe bem: acolheu centenas de venezuelanos que hoje trabalham com dignidade em supermercados, postos de combustíveis e como motoristas de app. O Brasil estendeu a mão — e agora leva um beliscão. A Venezuela de Nicolás Maduro, aclamada por parte da base governista brasileira, decidiu cobrar tarifas integrais sobre produtos brasileiros que antes entravam isentos por acordos bilaterais. Desde 17 de julho, o sistema aduaneiro venezuelano ignora certificados de origem do Brasil, encarecendo nossos produtos e irritando comerciantes nas fronteiras. Cortesia tem limite, e parece que a reciprocidade foi deportada.
“Brasileiro é bonzinho” — até demais
Enquanto deve ao Brasil mais de US$ 1,7 bilhão (quase R$ 10 bilhões), o governo venezuelano aplica calote com uma mão e sobretaxa com a outra. O relatório da Secretaria de Assuntos Internacionais, enviado ao Congresso, escancara o descaso de Maduro com os compromissos firmados. Ignora cobranças diplomáticas, desrespeita pactos comerciais e, de quebra, impõe barreiras aos nossos exportadores. Mas ainda há quem ache que tudo isso é “herança bolivariana”. O problema é que o Brasil é generoso — mas está começando a parecer bobo.
Fora do mapa — e no cardápio
O Brasil acaba de sair do “Mapa da Fome”, segundo agências da ONU. Uma boa notícia, claro. Certamente alguém creditará isso ao tarifaço de Trump: com a exportação travada, sobra mais comida por aqui. Olha a lógica do agro: se o boi não vai paro americano, vai para o espeto do brasileiro. Quem sabe agora, com picanha e costela mais acessíveis, o brasileiro possa até fazer churrasco duas vezes por semana — desde que o carvão não entre na lista dos sobretaxados também. Ironias do mercado: a geopolítica pode salvar a geladeira.
Fome de preço baixo
A verdade é que o brasileiro não come ideologia — come o que cabe no bolso. Se o dólar sobe e a carne vai embora, o prato esvazia. Mas se os gringos travam compras e o preço cai no açougue da esquina, o brasileiro sorri com farofa na mão. Chamam isso de “readequação de mercado”, mas por aqui tem outro nome: sorte de quem ficou por último.
A estreia de Fabinho — que não caiu longe do ipê
Dizem que a fruta nunca cai longe do pé. Às vezes, ela até rola um pouco, mas acaba florescendo no mesmo quintal. É o caso de Fábius Bonato — ou simplesmente Fabinho, como é chamado por muitos — que, após anos observando, lendo e refletindo sobre o mundo (e este país de contradições), decidiu ocupar seu lugar nas páginas do jornal. E com propriedade. Em sua estreia, Fabinho não escreve para agradar — escreve para provocar. Faz uma análise certeira e madura, sobre as engrenagens de um sistema que prefere manter a população dependente, anestesiada por promessas, favores e migalhas — a velha política do “pão e circo”, agora sob a curadoria de algoritmos e discursos performáticos. Com um texto firme, mas sereno, ele faz aquilo que se espera de quem pensa com liberdade: questiona a lógica da dependência como instrumento de poder, defende o mérito e enxerga na liberdade o verdadeiro motor do progresso. Aqui, celebramos quando novas vozes se erguem com consistência — ainda mais quando vêm da própria árvore genealógica. Este colunista (pai) promete não ser muito coruja, mas é inevitável sorrir com certo orgulho ao ver que o “menino” cresceu com opinião, senso crítico e coragem para dizer o que pensa. E o mais curioso: prometeu escrever mais vezes. Então, leitor, prepare-se: a fruta finalmente caiu, germinou… e vai dar sombra.
- Por Rogério Bonato