Coluna do Corvo

Tango e diplomacia

Poucos destinos despertam tanto prazer presidencial quanto Buenos Aires. Lula tem memória gustativa na capital portenha: das carnes do Don Julio aos vinhos tintos que escorrem fácil pelas conversas com velhos camaradas do Mercosul. Não era só política, era quase um ritual boêmio. Mas, desta vez, não teve brinde nem selfie conjunta com Javier Milei. O presidente brasileiro foi à Cúpula do Mercosul, mas evitou o anfitrião. Preferiu visitar Cristina Kirchner, atualmente em prisão domiciliar, como quem homenageia um tempo que já passou. A escolha de Lula expôs mais do que afinidades ideológicas: mostrou como a diplomacia, às vezes, serve pratos frios e cheios de espinhos.

 

Os desaforos do protocolo

Num mundo globalizado, fingir que o outro não existe virou um gesto obsoleto. Milei e Lula se evitaram oficialmente, mas sabe-se que trocaram olhares e, segundo fontes portenhas, até esboçaram um afago disfarçado no saguão. O fato é que os dois líderes têm mais semelhanças do que gostariam de admitir: carismáticos, teatrais, bons de palanque e péssimos de bastidor. A crise de relacionamento entre os governos soa mais como novela adolescente do que drama diplomático. O Mercosul, enquanto isso, segue pedindo um pouco mais de pragmatismo. Afinal, o comércio precisa de pontes, não de trincheiras. E se Brasil e Argentina não se respeitarem, o bloco vira rodízio de vaidades.

 

Vizinho bom é cliente fiel

Foz do Iguaçu talvez entenda melhor do que Brasília o que é conviver bem com os argentinos. Aqui, “hermanos” são como tios inconvenientes: aparecem sem avisar, pechincham até o fiado, mas fazem a alegria do caixa. Eles tomam café, compram e ainda abastecem o tanque antes de voltar. Quem já trabalhou no comércio local sabe: um bom mês de venda depende da cotação do peso e do humor do câmbio. Que Lula e Milei troquem farpas à vontade, mas que não atrapalhem os negócios. Afinal, se política não une, a carne assada une. E ninguém quer um feriado prolongado sem turistas.

 

A diplomacia no muro

O Brasil é craque em equilibrismo diplomático. Nunca se compromete demais, nem se ausenta completamente. Lula já foi elogiado por ser a cara do Sul Global e criticado por ser meio avesso a alinhamentos com o Ocidente. A última visita à Argentina reacendeu velhos debates: por que o presidente evita certos líderes e tolera certos regimes? A resposta está menos na ideologia e mais na conveniência. A The Economist até tentou dar lição de geopolítica ao Brasil, mas esqueceu que a diplomacia nacional é como pão de queijo: só funciona bem quando feita em casa, do nosso jeito.

 

O atestado político de julho

Enquanto Lula falava de integração, Bolsonaro entregava atestado médico com letra trêmula: repouso absoluto durante o mês de julho. Motivo? Crise de soluços e vômitos. Oficialmente, o ex-presidente está proibido de fazer campanha, lives e comícios. Nos bastidores, corre que os sintomas começaram após uma leitura mais profunda das últimas pesquisas eleitorais. Médicos recomendam silêncio, redes sociais em modo avião e canja de galinha. O eleitorado conservador, porém, prefere vê-lo nas ruas, ainda que tossindo slogans. É a política virando bula de farmácia.

 

A esquerda dorme mais tranquila

O repouso de Bolsonaro foi recebido com suspiros de alívio. Sem seu agitador oficial, a oposição perde ruído. Mas convém não subestimar o silêncio. O ex-presidente é do tipo que, mesmo deitado, planta confusão no “ Twitter X”. Há quem diga que seus aliados preferem vê-lo em um leito hospitalar do que solto em carreatas. O dilema da direita é este: Bolsonaro internado ainda rende mais engajamento que muito deputado hiperativo. Um repouso oportuno, entre solavancos de um sistema digestivo mais sensível que a polarização política brasileira.

 

Malafaia, o engasgo celestial

Entre os sintomas mais curiosos relatados por Bolsonaro, um chamou a atenção: a impossibilidade de pronunciar o nome de Silas Malafaia sem soluçar. “Si…la…fa…fa…” — e pronto, vinha a ânsia. Os médicos cogitam alergia a agendas religiosas mal organizadas. Já os analistas políticos lembram: foi na última manifestação minguada da Paulista que os espasmos começaram. A crise estomacal coincide com a ausência de aplausos. Para um ex-presidente habituado a multidões, o vazio ecoa feito ressaca de palanque. Até a fisioterapia será política.

 

Tarcísio quer ver quem manda

Nos bastidores do Palácio dos Bandeirantes, Tarcísio de Freitas flerta com a ideia de medir sua força política sem a muleta de Bolsonaro. Cogita convocar uma manifestação própria, testar a popularidade sem dividir o palco com o clã de Brasília. Em outras palavras, quer saber se é líder de verdade ou apenas dublê do ex-mito. O timing não poderia ser mais estratégico: 2026 começa nos bastidores das prefeituras. E, enquanto o ex-padrinho repousa, o pupilo tenta crescer sozinho. O problema é saber se há plateia para dois salvadores da pátria num país cansado de profetas eleitorais.

 

Território eleitoral em guerra fria

O Brasil virou um mapa de nervos e estratégias. Lula domina o Norte e Nordeste com programas sociais e verbas de impacto. A direita finca bandeiras no Centro-Oeste, no agro e nas periferias urbanas do Sudeste. E no meio disso tudo está a classe média, que desconfia de um lado e teme o outro. Esse eleitor, cansado de promessas, quer resultado. E nesse jogo, o IOF entrou como vilão da semana: um imposto que pouca gente entendia, mas que todo mundo pagava. O Congresso percebeu a irritação e resolveu dar uma rasteira no Planalto.

 

IOF: três letras, muitos bolsos

O IOF — Imposto sobre Operações Financeiras — é aquele tributo que ninguém percebe até o cartão estourar ou o câmbio do dólar morder mais que piranha do Pantanal. Ele está em quase tudo: empréstimos, financiamentos, seguros, operações de câmbio e até no vinho chileno comprado pela internet. O brasileiro não tem descanso: paga imposto para comprar, para vender, para parcelar e para sonhar com o parcelamento. O IOF é a mosca invisível que ronda o copo de cada consumidor.

 

Confundido com juro, disfarçado de susto

Muita gente acha que o IOF é juro, mas não é. O juro vai para o banco. O IOF vai para Brasília, diretamente para o cofre da União. É o governo dizendo: “Você quer comprar? Ok. Mas eu também quero um pedaço.” A taxa começa em 0,38%, mas pode crescer conforme a operação. No cheque especial e no rotativo do cartão, por exemplo, ele age como um agiota elegante. O brasileiro paga, mas nem sabe quem está cobrando. Quando descobre, já virou estatística do Serasa.

 

No exterior, IOF é turista VIP

Vai comprar dólar para a viagem? IOF. Vai usar o cartão lá fora? IOF. Vai mandar dinheiro para o filho estudar na França? IOF. Vai pedir reembolso de seguro saúde internacional? IOF. O imposto viaja com você, sem precisar de passaporte. E o pior: não tem franquia de bagagem. Até no Duty Free ele dá um jeito de aparecer. O brasileiro paga IOF com a naturalidade de quem aceita fila no aeroporto: reclama, mas não tem alternativa.

 

Investimento com fome de imposto

Nos investimentos, o IOF tem gosto de cilada. Se o investidor resgatar a aplicação antes de 30 dias, ele morde o rendimento como se estivesse faminto. A alíquota começa em absurdos 96% e vai caindo dia a dia. Depois do 30º dia, desaparece como mágica. É quase uma lição de paciência financeira: quem tem pressa, perde. O IOF ensina que, no Brasil, até o tempo tem preço — e alto.

 

Seguros e outras mordidas

No mundo dos seguros, o IOF também dá show. No seguro de vida, ele pega leve: 0,38%. Mas no de carros e bens, o bicho pega: até 7,38%. Quer proteger seu carro contra roubo? O governo já está roubando um pedaço do prêmio. É como se o Estado dissesse: “Você pode se sentir seguro, desde que eu me sinta arrecadado.” Nem no imprevisto o brasileiro está livre da mordida fiscal.

 

A queda do novo IOF

O Congresso Nacional mostrou que ainda respira ao derrubar o aumento do IOF imposto pelo governo. A votação foi simbólica, mas o efeito foi concreto: as alíquotas voltaram aos níveis anteriores. A decisão revelou algo raro: uma derrota clara do Planalto e um alívio imediato para o bolso da população. Com a medida, o Executivo perdeu até R$ 15 bilhões em expectativa de arrecadação. Mas, convenhamos, o povo perdeu bem mais ao longo dos anos — em silêncio.

 

Criatividade tributária em alta

Com o IOF contido, resta ao governo encontrar novas fontes de receita. Cortar gastos? Nem pensar. A moda agora é sigla simpática com efeito colateral. Quem sabe venha aí o IPEF — Imposto Provisório para Equilibrar o Furo. Ou o TRONCO — Taxa de Recursos Obtidos no Crédito Operacional. O Brasil é campeão em criatividade fiscal. Só não consegue inovar em eficiência administrativa. E, assim, seguimos: pagando, esperando e rindo, porque reclamar já virou rotina. Eis que chegamos na sexta-feira! Um bom último dia útil a todos!

 

  • Por Rogério Bonato

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