Coluna do Corvo
Junho chegou chegando
Bom dia, junho! Com ele, chega o frio e o marco simbólico dos cinco primeiros meses de gestão do General Silva e Luna. Se a matemática não falha — e como a fé, não costuma falhar, salvo quando aplicada ao orçamento secreto —, em 2 de julho estaremos na metade do ano e do primeiro tempo administrativo. E já tem gente gritando “gol contra” sem esperar o intervalo. É justo? Governar Foz não é tarefa para cronistas de rede social, mas para quem aguenta pressão, entende o peso das heranças e sabe que milagre urbano não acontece em 180 dias. Avaliar é necessário, mas antecipar fracasso é imprudência. Até porque, tropeçar nas primeiras lombadas e cair nos buracos não significa que o piloto não saiba dirigir.
Ações invisíveis, efeitos palpáveis
Enquanto os olhos se voltam para os buracos no asfalto, a prefeitura começou o ano remexendo o subsolo da burocracia. Houve convocação de 100 professores, 60 novos guardas municipais, retomada do diálogo com sindicatos e recomposição salarial dentro da realidade orçamentária. Pode não ser espetacular, mas é estratégico. Além disso, a máquina pública foi reorganizada com foco em transparência e captação de recursos. A cereja do bolo é a licitação da regularização fundiária do Bubas, com R$ 27 milhões garantidos — a maior da história da cidade. São ações que não aparecem no Instagram, mas constam no Diário Oficial. Talvez seja hora de lembrar que governar é menos sobre selfies e mais sobre despachos.
Os buracos e a álgebra da indignação
Segundo o IBGE, Foz tem 2.300 vias públicas. Se estimarmos modestamente dez buracos por via, temos 23 mil crateras. Armstrong, se vivo, pediria para fincar bandeira no Morumbi III. Vamos lembrar que o primeiro homem a pisar na Lua recebeu o título de Cidadão Honorário de Foz. A prefeitura herdou esse cenário e, embora tenha aumentado o ritmo das operações tapa-buraco, é impossível pavimentar o passado com retórica. A indignação da população é legítima, mas precisa ser proporcional ao tempo de gestão. Afinal, quem cava o buraco nem sempre é quem segura a pá. E criticar sem memória pode até gerar curtidas, mas não resolve a buraqueira.
Quantos problemas cabem numa cidade?
Foz tem oficialmente 37 bairros, mas o Censo 2022 apontou 281 localidades. A matemática urbana não fecha — e a demanda explode. Cada região tem sua lista de pedidos: escola, asfalto, UBS, creche, quadra. É muita cobrança para pouco tempo. Se cada bairro exigir três itens básicos, o prefeito já tem quase mil pendências na mesa. Resolver tudo ao mesmo tempo é tarefa para ficção científica. E ainda assim, tem quem ache que basta digitar um ofício ou gritar no grupo do bairro. Governar exige método, paciência e prioridades — não mágica nem malabarismo.
Saúde na UTI, sistema em recuperação
Um comunicado interno da Fundação de Saúde sobre a superlotação do Hospital Municipal vazou e chocou mais pelo tom frio do que pelo conteúdo. Faltam leitos de UTI? Sim. Mas faltou também empatia e clareza no trato com o cidadão. O caos na saúde é estrutural, fruto dos remendos malfeitos. O atual governo tenta equilibrar o quadro, mas ainda esbarra no trauma coletivo — literalmente. O número de acidentes, quedas e imprudências no trânsito pressiona a rede. Mas exigir eficiência em cinco meses é como pedir ressurreição para quem está na UTI sem oxigênio. A cura exige tempo.
Secretário precisa descruzar os braços
Em meio aos problemas da saúde, um detalhe chama atenção: o secretário da pasta surge em fotos sempre de braços cruzados. Um símbolo? Talvez. Mas a imagem não inspira confiança. Em vez de pose institucional, o momento exige ação. O comunicado frio da Fundação escancarou a ausência de coordenação entre crise e empatia. Se o gestor da área continuar esperando que os problemas se resolvam por gravidade, talvez seja ele o próximo a ocupar uma vaga — não na UTI, mas no rol dos ex-secretários.
Quem limpa não é quem suja
A coleta de lixo em Foz funciona. Os caminhões passam, os garis cumprem a rotina. Mas a cidade segue suja. Porque tem sofá largado no matagal, geladeira jogada no rio, colchão abandonado no meio-fio. A prefeitura limpa, o povo emporcalha. É a coreografia cívica do atraso. Depois, aparecem os críticos de WhatsApp, sempre com dedo em riste e consciência em recesso. Queremos cidade limpa, mas temos hábitos porcos. O problema não é só de gestão — é de civilização. E antes de culpar o prefeito, talvez seja bom olhar no espelho. Ou melhor: na lixeira. Em outra ação “não palpável”, a gestão trabalhou para aumentar as equipes de varrição, roçada e poda de árvores levando serviços para áreas críticas como por exemplo, a Vila Portes, e, retomou a equipe de recolhimento de materiais inservíveis em geral.
Rede social não é termômetro
O protesto diante do prédio do prefeito reuniu menos de 30 pessoas. Dava para dividir em duplas e organizar uma canastra. A “grande revolta popular” virou stories de 15 segundos. Se a cidade estivesse realmente em erupção, o barulho seria bem maior que o da Fartal. Mas o que se viu foi mais encenação do que indignação. Governar por enquetes de Instagram é tão confiável quanto usar TikTok como fonte orçamentária. O prefeito precisa ouvir as críticas — claro —, mas também precisa filtrar o ruído. E a população precisa parar de confundir manifestação com espetáculo.
A herança e o silêncio estratégico
Silva e Luna errou ao proteger demais o ex-prefeito. Talvez por lealdade ou pragmatismo, preferiu não apontar o dedo para o passado recente. Mas ao fazer isso, herdou parte da antipatia acumulada pela gestão anterior. Governar exige coragem para romper, não apenas continuar. Sâmis assumiu depois da bagunça deixada pelo Daijó; Paulo Mac Donald reergueu a educação e a saúde depois do quase caos. Chico Brasileiro encarou a hecatombe Reni. E agora, o general precisa sujar o coturno e andar nas ruas. Porque política não se faz com silêncio tático, mas com clareza estratégica. Quem herda o problema precisa assumi-lo — antes que ele vire herdeiro do fracasso.
Pão, circo e bom senso
A Fartal vem aí: festa, milho, quentão e selfies com cantor sertanejo. O evento é popular, democrático e esperado. Mas precisa ser acompanhado de entrega real. O governo aposta em leveza e festividade para aliviar tensões. Nada contra. O problema é quando a festa vira anestesia. O cidadão precisa se divertir, mas sem esquecer o que falta. E o prefeito precisa entregar estrutura, não só palco. Pão e circo é bom — desde que o pão seja fresco e o circo tenha saída de emergência. E que ninguém use a pipoca para tapar buraco de rua.
Diálogo e maturidade administrativa
Um dos avanços mais discretos — e menos celebrados — da nova gestão foi o retorno ao diálogo institucional com sindicatos e servidores. A recomposição salarial, mesmo limitada, foi fruto de conversa e transparência. Em tempos de radicalismo político e gritaria digital, sentar à mesa e negociar já é um feito civilizatório. A política salarial não agradou a todos, mas foi clara e possível. E quando um governo acerta no trato com o funcionalismo, já começa a limpar o terreno para reformas maiores. A cidade precisa disso: menos confronto e mais construção.
O Bubas e a mudança concreta
Por fim, um feito que merece destaque: a licitação da regularização fundiária do BUBAS foi autorizada. Com mais de R$ 27 milhões já apropriados, será o maior programa habitacional e de dignidade urbana da história da cidade. Se executado com eficiência, colocará Foz do Iguaçu como referência em reordenamento territorial. É uma resposta concreta a um problema histórico — e, finalmente, um exemplo de governo com pé no barro e foco no essencial. Porque dignidade não se constrói só com discurso: ela começa com a posse legal do próprio teto.
O homem que enxergava além da lente
Morreu na madrugada de 1º de junho o fotógrafo Otavio José Job Pozo, o lendário Juca Pozo, aos 76 anos. Sua história se confunde com a própria memória visual de Foz do Iguaçu. Juca não era apenas um fotógrafo: era um guardião de imagens, um observador atento dos bastidores da cidade. Sempre com a bicicleta — que nunca pedalava — carregava máquinas, negativos, lembranças e uma disposição silenciosa para narrar Foz por meio da luz e do tempo. Ele partiu discretamente, como sempre viveu. Seu corpo foi sepultado no Cemitério São João Batista, mas sua presença permanece impressa em centenas de álbuns, jornais e corações. A câmera descansou. E nós ficamos com a imagem.
Juca, o retratista da cidade
Juca Pozo foi, por décadas, o que os poetas chamariam de “olho do tempo”. Registrou casamentos, protestos, inaugurações, carnavais, desfiles e também os lutos. Trabalhou para praticamente todos os jornais de Foz e do Paraná. Ao lado de Chico de Alencar, formou uma dupla que sabia onde estar antes que a notícia chegasse. Era comum vê-lo empurrando a bicicleta pelas ruas da cidade, carregando o passado nas costas — literalmente. Certa vez, quando lhe perguntei por que não pedalava, respondeu com humor: “Ela é para as máquinas e os arquivos. Vez ou outra, vendo umas fotos antigas pra levantar um troco. Quer comprar alguma?”. E ali estava Juca, vendendo memória em preto e branco para sustentar sua dignidade colorida.
A ausência de quem nos ensinou a olhar
A morte de Juca Pozo deixa um vazio simbólico. É estranho pensar que não se tem uma boa foto dele, logo ele, que passou a vida fotografando os outros. É como se o homem que documentou tantas fases da cidade tivesse esquecido de se incluir na história — ou tivesse escolhido não ser o protagonista. Nos últimos anos, viveu com dificuldades, mas nunca se entregou ao lamento. Andava com a cabeça erguida, como quem sabia que já tinha feito o que importava: guardar para as gerações futuras o rosto de uma cidade inteira. Juca não deixa uma estátua, mas deixa um acervo de alma. E é isso que faz de alguém eterno.
- Por Rogério Bonato