Coluna do Corvo
Um estranho no leito
Brasil e Paraguai têm uma relação energética sólida, construída tijolo por tijolo, megawatt por megawatt, desde os tempos em que Itaipu ainda era um rabisco em papel manteiga. Agora, os Estados Unidos resolvem se interessar pelo “excedente de energia paraguaio”, como quem pergunta se pode levar o resto do churrasco alheio. Nunca, em tempo algum, essa parceria sul-americana foi palco para interferência externa. Mas basta farejar eletricidade sobrando que o Tio Sam aparece com cara de consultor internacional. Intrometer-se em Itaipu é como aparecer num casamento de cinquenta anos perguntando se o casal já considerou um “relacionamento aberto”. Pior, é chegar de coturno, dizendo que só queria “entender melhor”. Entender o quê, meu senhor? Vai cuidar da energia do Texas que vive apagando no verão!
O gato imperial
Donald Trump já tentou comprar a Groenlândia, ameaçou anexar o Canadá e agora parece querer puxar um fio de Itaipu até o Arizona. O problema é que Itaipu não é tomada de aeroporto, e a energia gerada ali não cabe num powerbank presidencial. Quer energia? Construa sua própria usina. Ou melhor, aproveite o know-how binacional e compre um kit Itaipu para montar em casa. Mas, por favor, não tente “fazer um gato” geopolítico.
Pretexto da presepada
Toda vez que os Estados Unidos querem justificar a presença de tropas ou bases militares em algum canto estratégico do planeta, surge o bom e velho argumento do terrorismo. Foi assim na semana passada e está na cara que esse súbito interesse pela energia de Itaipu tem rótulo. A Tríplice Fronteira já virou personagem coadjuvante desse roteiro manjado. Chega né? Sejamos francos: por aqui, o que assusta mesmo é o trânsito, o preço do gás e a fila no Paraguai. Inventar ameaça para justificar intromissão energética é tão criativo quanto fazer continência para o Trump em pleno Mercosul.
A arte de chegar sem ser chamado
Se há uma habilidade que os norte-americanos desenvolveram com excelência é a de chegar nas festas onde não foram convidados e ainda sentarem à cabeceira da mesa. É bem assim que pretendem participar do banquete energético de Itaipu, uma construção binacional e não “tri”. Nada contra o interesse internacional, mas há limites para a curiosidade com cara de patrulha. Itaipu não é condomínio com vaga para terceiro morador. É um empreendimento entre vizinhos, com regras claras. E quem chega atrasado, ainda mais sem convite, deveria se contentar com uma visita guiada.
Um linhão transcontinental?
Suponhamos que os EUA consigam comprar parte da energia paraguaia. E depois? Vai levar como? Os linhões precisariam cruzar o Brasil, a Amazônia, o Caribe e boa parte do Golfo do México. No fim, o custo do transporte seria mais caro que o investimento em uma nova usina nos próprios Estados Unidos — sem falar nas mais de 37 autorizações ambientais, 48 protestos indígenas e 2.914 ONGs pelo caminho. Só falta pegarem carona no sistema energético brasileiro. Quando acontecer apagão por lá, vão jogar a culpa na gente.
Proposta tentadora
Brasil e Paraguai poderiam muito bem virar o jogo e fazerem uma oferta: “Quer energia de Itaipu? Beleza, comprem todo o sistema elétrico e devolvam energia gratuita para as nossas populações. Parece absurdo? Talvez. Mas não mais absurdo do que querer se beneficiar de uma estrutura construída pelos sócios em uma das mais sólidas parcerias energéticas do planeta.
Itaipu não é playground
É um patrimônio. A usina é uma das maiores obras de engenharia do século XX. É uma construção de soberania compartilhada e orgulho técnico latino-americano. Tratar essa estrutura como se fosse fonte de energia avulsa para projetos externos é reduzir sua importância a um botão de “on/off” global. Os EUA, que adoram uma base militar e um poste em território estrangeiro, deveriam olhar para Itaipu com respeito, não com ambição. Energia aqui se compartilha entre sócios. Itaipu não é posto de gasolina na beira da Route 66.
Paraguai, o novo Havaí
Corre nos bastidores da diplomacia uma ideia tão absurda quanto hilária: transformar o Paraguai na mais nova estrela da bandeira americana. Seria uma espécie de Havaí continental, só que com tereré e sem colar de flores. Se Porto Rico virou fornecedor oficial de café e banana, o Paraguai entraria com mandioca e todo o charme da Ciudad del Este.
Delírio ou tendência?
Imagine a cena: o vendedor de meias na fronteira gritando “tudo três por dez, my friend!” e um batalhão de turistas gringos tirando selfies com fundo de empilhadeiras e sacolas cheias de pendrives. Se o Paraguai virar território americano, Ciudad del Este terá mais bandeiras dos EUA que a Times Square. A Ponte da Amizade será rebatizada como “Friendship Border Crossing”, e o camelô que não souber dizer “power bank, very good” vai à falência. Já o dólar passará de vez a ser moeda oficial. Realizou-se o sonho “doirado”.
Mandioca: a nova commodity
Os EUA têm petróleo no Texas, milho no Kansas, mas nunca tiveram mandioca de verdade. Se der de o Paraguai virar estado norte-americano, a raiz mais brasileira da história ganhará status interplanetário. Teremos chips de mandioca gourmet nas prateleiras da Califórnia, purê de mandioca servido em Washington, e o “mandioca fries” virando hit no McDonald’s. O agronegócio paraguaio já pode sonhar com o selo “Proudly grown in the United States”. Agro e pecuária dos vizinhos, diga-se, sempre foram objeto de cobiça dos gringos. Resta saber se o Trump vai aceitar tapioca no café da manhã da Casa Branca. O açaí já está na mesa dele, faz tempo.
Miami? Esquece.
Com o Paraguai – supostamente – se tornando um novo estado dos EUA, brasileiros poderão esquecer Miami. A nova rota do turismo será Ciudad del Este Beach, com shopping exclusivo da Apple sem imposto. Pensa o tamanho das filas para a renovação do visto? As agências de turismo já preparam pacotes com escala em Salto del Guairá, com praia ampliada.
Ponte da Amizade ou Muro?
Se o Paraguai virar estado americano, a Ponte da Amizade corre o risco de virar outro Muro da Discórdia. Hoje é passagem para compras, turismo e muita paciência no trânsito. Amanhã pode ter agente da imigração, bandeira dos EUA tremulando e cachorro farejador procurando chimarrão suspeito. Os brasileiros, antes acostumados a atravessar com sacolas e sotaque, precisarão do tal visto, Green Card e talvez, uma entrevista no Consulado americano de Hernandarias.
Passaporte Yankee
Se a “americanização” vingar, os paraguaios vão ganhar um passaporte com a águia imperial. Nada mal, hein? Imagina só, voos para Las Vegas sem escala e sem burocracia? A sopa paraguaia invadirá Seattle. De qualquer forma, é bom preparar o coração: o futuro pode ser bilíngue e bilionário — se uma coisa assim acontecer.
Fim de semana à moda trinacional
A todos os nossos leitores — sejam brasileiros, paraguaios ou norte-americanos que se encantam com Foz do Iguaçu no outono — desejamos um fim de semana abençoado, ensolarado e, de preferência, com menos boletos e mais passeios. A previsão indica céu limpo, clima agradável e ótima oportunidade para aquele churrasco entre amigos. Só não garantimos a picanha. Então, se o corte da vez for pé de galinha, abrace a iguaria com orgulho, porque o que importa é a brasa acesa e a risada solta. E se vier um yankee curioso perguntar o que é farofa, sirva com gosto. Afinal, aqui até o frango é diplomático.
- Por Rogério Bonato