Coluna do Corvo

Sobre o tal “rombo”

Vamos deixar o formalismo de lado e objetivamente pensar: a insistência na construção de narrativas difamatórias, injuriosas e caluniosas cansa. Uma coisa é o ranço contra os gestores de empreendimentos públicos; outra, bem diferente, é a agressão desmedida que, ao final, atinge instituições sólidas. Isso se dá num piscar de olhos, dependendo do veneno e da vulnerabilidade de certos setores da opinião pública. A onda de insultos contra a Itaipu Binacional está mexendo com toda Foz do Iguaçu e cidades da Região Oeste, onde a instituição é muito presente — e fez, e faz, a diferença.

 

Dói no cidadão

Toda vez que Itaipu é cutucada por meio de críticas infundadas, isso mexe com os habitantes do Extremo Oeste e, em geral, com os paranaenses. Quando a empresa é aviltada injustamente, há revolta. Não há entidade, associação de classe, clube, prefeitura ou organização na área de influência da usina que não tenha sido contemplada com convênios, parcerias ou apoio nos últimos 50 anos. O que para alguns, de fora, parece gasto questionável, para nós é compromisso com o território. E quem já firmou convênio com a Binacional sabe: há exigência, auditoria, prestação de contas e acompanhamento rigoroso.

 

O mundo sem Itaipu

Muita gente se pergunta: como seria a matriz energética brasileira se Itaipu Binacional não tivesse sido construída? A resposta desenha um cenário alternativo: a maior hidrelétrica em operação no planeta responde por 10 a 15% de toda a energia elétrica consumida no Brasil. Sem ela, teríamos provavelmente uma matriz mais dependente de fontes térmicas — gás natural, carvão, óleo combustível — com mais poluição, maior emissão de gases de efeito estufa e tarifas mais altas. Sem Itaipu, o custo da energia seria outro, e o Brasil teria enfrentado dificuldades maiores para desenvolver sua indústria e garantir segurança energética.

 

Outros aspectos

Sem Itaipu, talvez o programa nuclear brasileiro tivesse avançado mais rápido, com mais usinas além de Angra 1 e 2 — hipótese que o ex-deputado Lyrio Bertoli chegou a levantar em debates da época. É possível também que investimentos em energia eólica e solar tivessem começado antes. Mas há uma certeza: o país teria enfrentado apagões mais severos, sem uma fonte firme e confiável como Itaipu. No plano geopolítico, as relações entre Brasil e Paraguai também seriam outras. O projeto binacional ajudou a consolidar uma parceria duradoura — e um modelo de integração raro no continente.

 

Cenário da perdição

Se a margem brasileira do Paraná já sofria os efeitos dos ciclos extrativistas e de esvaziamento antes de Itaipu, sua ausência teria sido devastadora. A região seria um vazio. Mas com a usina veio o replantio da Mata Atlântica, a recuperação ambiental, o retorno de espécies, a proteção ao Parque Nacional do Iguaçu e à Ilha Grande. Se as Sete Quedas não resistiram à represa, as Cataratas continuam lá, monumentais. E o Oeste do Paraná hoje é referência. Sem Itaipu, o perfil de fronteira seria mais tímido, e o avanço regional teria sido outro.

 

Reparação

A publicação da coluna de quinta-feira mexeu com a memória afetiva e institucional de muitos leitores. Vieram mensagens e reparações importantes. Uma delas merece destaque: o reconhecimento à gestão de Euclides Scalco, que dirigiu Itaipu entre 1995 e 2001. É graças à renegociação que ele conduziu que a dívida da usina foi reorganizada e, em fevereiro de 2023, finalmente quitada. Um legado que não pode ser esquecido.

 

Memória curta?

A Itaipu Binacional celebrou, com justiça, em fevereiro de 2023, o pagamento da última parcela da dívida de sua construção — um marco para o Brasil e o Paraguai. Mas o nome de Euclides Scalco, responsável pela reestruturação da dívida em 1997, quase não foi lembrado publicamente. Quase. Para seu mérito, o atual diretor-geral brasileiro, Ênio Verri, incluiu na versão escrita de seu discurso de posse — distribuída antes da solenidade — uma homenagem a Scalco, reconhecendo sua importância histórica. Justo e necessário.

 

Quem salvou Itaipu

Não foi a sorte, nem o milagre das águas que salvou Itaipu da insolvência. Foi a ação direta de Euclides Scalco, que redesenhou o passivo da usina, centralizou a dívida no Tesouro Nacional e regularizou os repasses dos royalties. Foi gestão responsável. Técnicos da época, como Rogério Picolli, mostravam que a dívida poderia chegar a US$ 80 bilhões sem aquela reestruturação. Com Scalco, veio o fôlego. O Brasil deve a ele — e a Itaipu, sua solvência.

 

Luz sobre a barragem

Foi também Scalco quem propôs, ainda nos anos 1990, a iluminação da barragem de Itaipu — iniciativa que ajudou a projetar Foz do Iguaçu como destino turístico global. Hoje é símbolo da usina, fotografada por milhões de visitantes. E, pessoalmente, me rendeu o privilégio de conhecer o saudoso Peter Gasper, gênio da iluminação cênica. Scalco teve visão de futuro, inclusive para o intangível. Uma homenagem póstuma, como batizar um edifício da usina com seu nome, seria o mínimo.

 

Transição republicana exemplar

Em 2002, Scalco foi chefe da Casa Civil no fim do governo FHC. E lá, mais uma vez, mostrou grandeza: liderou uma transição de governo exemplar, feita com serenidade, transparência e respeito institucional. Um contraste eloquente com a última transição presidencial. Em tempos turbulentos, lembrar de Scalco é mais que justiça histórica: é pedagógico. Itaipu poderia — e talvez devesse — imortalizar seu nome num espaço do seu complexo. Seria mais que simbólico — seria necessário.

 

Ênio Verri

Para seu mérito, no seu discurso de posse, Ênio Verri prestou um tributo digno à história da empresa. Nele, Scalco é reconhecido como o responsável pela reestruturação da dívida com a Eletrobras, ato que garantiu a solvência da usina. Também rendeu homenagem ao ex-diretor Jorge Samek, destacando sua contribuição para os pagamentos regulares ao Tesouro Nacional. Ambos foram fundamentais para que Itaipu, em 2024, pudesse celebrar seus 50 anos com todas as dívidas quitadas. Justo reconhecimento. O COVID levou Scalco, mas poupou Samek.

 

Referência ao legado de Samek

Uma versão escrita do discurso de posse, que circulou entre a imprensa local e que nunca foi confirmada nem desmentida, trazia uma bela homenagem a Jorge Samek, o mais longevo diretor-geral brasileiro da história da usina. Com humor e reconhecimento, Verri lembrou do “BeatSamek” — medida de valor com que todos os seus sucessores passaram a ser comparados. Em 14 anos de gestão, Samek transferiu cerca de US$ 30 bilhões ao Tesouro, além de implantar o conceito de criação de valor territorial. Um iguaçuense da gema que deixou um legado robusto — e muito orgulho para o Paraná.

 

Impressionante

O que mais impressiona neste debate é o consenso. De direita, esquerda ou centro, os leitores que se manifestaram fizeram questão de reconhecer a importância de Itaipu e a grandeza de figuras como Scalco e Samek. Isso honra este colunista — e inspira. Já comecei a reunir essas manifestações. E quem sabe… não esteja na hora de contar a história da Itaipu pela ótica dos seus 14 diretores-gerais brasileiros? Conteúdo não falta. Bom dia a todos!

 

  • Por Rogério Bonato

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