Coluna do Corvo

O “tarifaço”

Bastou uma voltinha ao supermercado e ficar uns minutos na fila do açougue e padaria, para entender que o brasileiro não assimilou absolutamente nada acerca das manobras do ajuste de tarifas impostas ao mundo, pelo presidente norte-americano. As pessoas emitem opinião equivocada e claro, isso se espalha com a força de um anedotário. “Por causa do Lula, o presidente dos E.U.A ferrou o Brasil”; “é agora que vamos passar fome”; “os caras querem que a gente pague para vender para eles?”; e a pior de todas: “veja, o Bolsonaro queria que o Trump aplicasse 40% e por causa do Lula, ele aplicou só 10%. Por causa disso a gente sempre sai perdendo”. Barbaridade.

 

Vamos tentar explicar

Este humilde colunista passou longe das aulas de economia, mas ao passar dos anos foi obrigado a entender o “economês”. A imposição de tarifas por parte do governo dos Estados Unidos é a maneira que Donald Trump encontrou para a retomada industrial. É bom não esquecer que ele faz isso com os parceiros, porque no fundo, quer a todo custo combater o déficit comercial de bens, que superam (segundo os economistas) US$ 1 trilhão (de dólares ao ano).

 

E como isso foi acontecer?

Enquanto os norte-americanos levantavam o nariz e se preocupavam em manter o seu “estilo de vida”, engordando em locais como Mac Donald’s, Pizza Hut, enchendo o bucho com costeleta de porco, e, para bancar a pose de xerife, partiram para o fortalecimento da indústria bélica, o resto do mundo correu atrás do prejuízo, com políticas desenvolvimentistas eficientes, a exemplo dos asiáticos e indianos. Fábricas de botões, zíperes, tecelagens, quinquilharias domésticas como panelas, e até mesmo bens de consumo, baixaram as portas e os gringos, os yankees, passaram a comprar esses produtos de outros países, ampliando a lista de parceiros comerciais em todos os continentes. Trump quer acabar com a festa e sobretaxar as importações foi a maneira que ele encontrou de se defender e, reiniciar um projeto de fomento e produção interna. Em verdade, dizem, enfiou-se num mato sem o cachorro. Reconhece que isso levará muito tempo, beirando inclusive uma recessão. Faz um jogo muito perigoso.

 

Política de choque

O tarifaço é um tranco na ordem econômica mundial; representará um choque brutal em muitos países. As tarifas variam de 10% a 35% e o alvo é o continente asiático, as começar pela indústria automobilística, que afeta seriamente os fabricantes norte-americanos na busca pelos mercados mundiais, como é o caso da Tesla, emparedada pelos chineses.  Como Trump vai fazer para reduzir os custos altíssimos de produção nos EUA, seis a sete vezes maiores que na Ásia, é o que todos querem saber, uma vez que endureceu na política de imigração. Um americano com a chave de fenda na mão custa mais US$ 5 mil ao mês; a mão de obra na Ásia é numericamente mais barata. Para fazer frente a uma concorrência assim, só abrindo as portas para a imigração.

 

Para começar

O anúncio das tarifas gerou uma crise medonha, derrubou o dólar, causou rebuliço nas bolsas de valores e isso vai fazer muita gente tirar o pé do acelerador. Quem está no controle das multinacionais puxará o freio de mão, elevada a incerteza. Quem entrar em uma lojinha nos Estados Unidos encontrará os produtos asiáticos 30 ou 35% mais caros e o panorama será idêntico para os que compram máquinas, computadores, componentes e também veículos como tratores. Para competir, os estadunidenses terão que parar de fabricar porta-aviões e abastecerem o comércio com o que hoje importam.

 

Trump se defende

Ele diz que o seu “tarifaço” é o melhor que conseguiu chegar quando o assunto é a reciprocidade. Para ele a relações comerciais bilaterais dificultam a venda de produtos norte-americanos nos mercados estrangeiros. “O Brasil (18%) e a Indonésia (30%) impõem uma tarifa mais alta sobre o etanol do que os Estados Unidos (2,5%)”, afirmou Trump, em sua “Ordem Executiva” recém-publicada. O fato é que ele não aplicou reciprocidade alguma. Foi para cima de uns, aliviando outros, ou os que lhe interessam mais. O Brasil, por exemplo, ficou com uma tarifa baixa, com a taxação de 10% sobre todas exportações para os Estados Unidos. Uns dizem que isso é bom, outros nem tanto. Vai depender das estratégias brasileiras.

 

E como será?

É difícil imaginar, mas segundo os economistas, nosso país, embora a tarifa “mais barata”, o que parece ser um benefício, sofrerá com o terremoto global. Os EUA ainda são o principal destino das exportações brasileiras. Nessa tal “relação superavitária” os Estados Unidos exportam mais para o Brasil do que importam, em valor agregado. Os americanos ficaram em posição bem mais favorável.

 

O que fará o Brasil?

O presidente Lula disse que vai responder, mas deve antes negociar, transladando o pavimento diplomático. Dificilmente haverá retaliação, o governo “vai se virar nos 30” e tentar encontrar as saídas fora da zona de atrito. Não podemos esquecer que há muitas cabeças pensantes nas federações de comércio e é o fruto desse pensamento que prolifera as estratégias. Por exemplo: a Suíça foi taxada em 31%. Os produtos mais vendidos para os Estados Unidos são da indústria química e farmacêutica, máquinas, relógios, instrumentos de precisão e o chocolate. E quem vende o cacau para os suíços? O Brasil.

 

Nova ordem

O caso é que mantemos balança comercial com todos os países sobretaxados e, sabendo trabalhar uma mecânica mais eficiente, inovando no jeito de fazer negócios, sairemos no lucro. Isso já fica um pouco mais difícil para a Argentina, por exemplo. Nossos vizinhos também estão na faixa de taxação dos 10%, mas não possuem a mesma frente de comercio exterior. Certamente crescerão nas exportações de vinho e carne, todavia competirão com a Austrália, Chile, com chances de emplacar produtos na frente de países que compõem a União Europeia, taxados em 20%.

 

Tudo diferente

Os norte-americanos estão de olho em Donald Trump e isso pode corroer a sua administração. O Congresso lá e a Justiça, não são tão complacentes. Já deliberaram em favor do Canadá. No mais, as medidas estridentes causarão um jeitão novo de relacionamento internacional; com uns se aproximando mais dos outros, como acontecia na encruzilhada da Rota da Seda, uns quatro mil anos no passado.

 

Não está errado

A pessoa, na fila do açougue, que disse que “o Brasil precisa pagar para vender para os americanos, não está errada”. Conversando depois, o cidadão disse: “quem sabe agora a carne e outros produtos baixem um pouco no preço, porque sem exportar, isso abastecerá o mercado interno”. Mas será que isso vai acontecer? Com o “tarifaço”, os produtos brasileiros ficarão menos competitivos em relação aos concorrentes americanos e isso certamente vai pressionar a inflação brasileira. Os setores mais afetados incluem café, papel, celulose, madeira, carne, suco de laranja, etanol. Haverá reflexo na área do aço e alumínio. É provável que os preços aumentem. O mundo aprendeu a viver globalizado e, com os Estados Unidos na ponta da globalização. A inversão da ordem causará desconforto, mesmo que por algum tempo.

 

Análise

“Prezado colunista, estão fazendo um temporal em cima da política de tarifas norte-americanas em produtos brasileiros. Em muitos casos, já pagamos mais de 10% em quase tudo. Saímos no lucro”, enviou mensagem, o leitor P.J.N, que pediu para não ter o nome revelado. Isso obrigou este colunista aprofundar a pesquisa e, infelizmente, a colaboração do amigo não foi eficiente.

 

Como era antes do “tarifaço”

Os principais produtos que o Brasil exportou para os EUA em 2024 estão bem abaixo de 10%, como é o caso dos óleos brutos de petróleo, com exportações na casa dos R$ 6 bilhões e com uma tarifa cobrada pelos EUA de 0%. Já os semimanufaturados de ferro ou aço, com US$ 2,7 bilhões em exportações a tarifa cobrada 7,2%. O Café não torrado, não descafeinado, em grão exporta US$ 1,9 bilhão, com 9% de tarifa.

 

Lista muito grande

O Brasil exporta um pouco de tudo para os EUA, como as pastas químicas de madeira, na ordem de US$ 1,5 bilhão Tarifa com a tarifa de 3,6%; ferro fundido bruto não ligado, US$ 1,4 bilhão, 3,6% de tarifa. O Brasil exporta US$ 1,4 bilhão em aviões e outros veículos aéreos, de peso superior a 15.000 kg, vazios e, sem tarifa, 0%. Já as carnes desossadas de bovino, congeladas, com exportações na casa de US$ 885 milhões, a tarifa cobrada é de 10,8%; logo, O Brasil deve exportar mais esses produtos.

 

Ai..ai…ai…

O “tarifaço” acabou roubando o espaço de uma porção de assuntos, como os resultados do encontro do prefeito Silva e Luna com o governador, que por sua vez se encontraria com o Bolsonaro; a greve no transporte de Foz; a encrenca sobre a espionagem no Paraguai; o movimento no feriadão; os preços dos produtos que vão à mesa na Páscoa e outros, de interesse dos leitores. Mas no fim, até que entender melhor o novo “trumpaço”, nos ajuda a aliviar as tensões e acreditar que encontraremos uma saída. O brasileiro é criativo. Um bom fim de semana a todos!

 

  • Por Rogério Bonato

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