Desafios internacionais marcam eleições municipais nas cidades de fronteira do Brasil

Nas cidades brasileiras localizadas ao longo da faixa de fronteira, que abrange 16% do território nacional e inclui cerca de 11 milhões de pessoas, as eleições municipais envolvem desafios que vão além das questões locais. Para os prefeitos e vereadores dessas áreas, é essencial ter habilidades diplomáticas e uma boa articulação com os governos federal e estadual, já que diversos problemas nas fronteiras exigem soluções conjuntas com os países vizinhos.

De acordo com Tomaz Espósito, professor e coordenador do mestrado em fronteiras e direitos humanos da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), a realidade dessas cidades vai muito além dos limites nacionais. “Os municípios precisam desenvolver uma diplomacia paralela. Questões como destinação de resíduos sólidos, transporte escolar e combate à dengue precisam ser discutidas com ambos os lados da fronteira”, afirma o professor.

São 588 municípios na faixa de fronteira, dos quais 124 estão na linha divisória com países como Venezuela, Paraguai, Bolívia e Argentina. Há também 33 “cidades-gêmeas”, que são municípios brasileiros fortemente integrados com cidades vizinhas. Entre os exemplos estão Ponta Porã (MS) e Pedro Juan Caballero, no Paraguai, e Foz do Iguaçu (PR), Ciudad del Este (Paraguai) e Puerto Iguazú (Argentina), que formam uma cidade-trigêmea.

Imigração e desigualdade social nas fronteiras

Em Roraima, a imigração venezuelana é um dos maiores desafios que afetam diretamente as políticas municipais. Maria Ferraz de Matos, agricultora e coordenadora da Cozinha Solidária no estado, destaca que há um grande déficit habitacional e que a falta de moradia agrava os conflitos entre brasileiros e venezuelanos. “Muitas famílias brasileiras que vivem de bicos também enfrentam dificuldades e dependem de projetos sociais como a Cozinha Solidária para sobreviver”, relata.

Segundo Maria, as prefeituras poderiam ajudar a resolver parte desses problemas com políticas habitacionais voltadas para ambos os grupos. No entanto, a coordenadora acredita que a falta de interesse político se deve ao fato de que os venezuelanos não votam. Ela sugere que terras ociosas poderiam ser utilizadas para abrigar tanto imigrantes quanto brasileiros em situação de vulnerabilidade.

A integração como chave para o desenvolvimento regional

O Artigo 4º da Constituição brasileira prevê a busca pela integração entre os povos da América Latina, e, nas fronteiras, essa integração já é uma realidade cotidiana. Em cidades como Santana do Livramento, na fronteira com o Uruguai, há iniciativas de cooperação que beneficiam tanto brasileiros quanto uruguaios. “Há casos em que brasileiros fazem tomografias no Uruguai e uruguaios realizam hemodiálises no Brasil. Isso mostra que a fronteira pode deixar de ser um obstáculo e se tornar um caminho de integração real”, afirma o professor Tomaz Espósito.

Porém, nem todas as cidades fronteiriças têm condições financeiras ou administrativas para enfrentar sozinhas os desafios da região. Luciano Stremel Barros, presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf), com sede em Foz do Iguaçu (PR), destaca que é necessário que os gestores municipais tenham uma boa capacidade técnica para lidar com questões complexas como contrabando, crime organizado e evasão escolar. “A má gestão pública também é um grande problema nessas áreas. Os municípios precisam de gestores qualificados para enfrentar os desafios das fronteiras”, avalia Barros.

Com a eleição municipal se aproximando, a atenção dos eleitores nas cidades de fronteira deve se voltar para candidatos que possam lidar com as questões que vão além das fronteiras locais, mas que impactam diretamente a vida dessas populações.

  • Da redação com ABr. / Imagem: Ipea/Divulgação

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