UNILA se despede de Pepe Mujica, símbolo da integração latino-americana
O ex-presidente uruguaio José Alberto Mujica Cordano, morto nesta terça-feira (13) aos 89 anos, não deixou apenas um legado político para a América Latina — também se tornou um marco simbólico para a Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), em Foz do Iguaçu. Ao longo de duas visitas, em 2016 e 2024, Mujica estabeleceu uma relação singular com a comunidade acadêmica da instituição, à qual dirigiu palavras que hoje ecoam com ainda mais força.
Figura central no processo recente de transformação política do Uruguai, Mujica enfrentava um câncer no esôfago desde 2023. Governou o país de 2010 a 2015 com uma agenda progressista e postura pessoal austera, que o distanciava dos rituais tradicionais do poder. Rejeitou benefícios do cargo e se recusou a viver no palácio presidencial. Durante sua gestão, promoveu a legalização do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo, além da redução da pobreza de 37% para 11%.
Na UNILA, sua presença foi mais do que institucional: foi formativa. Em março de 2016, proferiu a aula magna que inaugurou o ano letivo da universidade. Diante de um auditório lotado, Mujica discursou sobre os desafios da integração regional e o papel das novas gerações nesse processo.
“A integração, entre muitas coisas, significa depender mutuamente. Desde muito cedo, nos dedicamos a depender da Europa, a depender da Inglaterra. […] Pouco nos conhecíamos, pouco tratávamos entre nós. Vivemos quase 200 anos distantes”, disse.
A reflexão histórica foi acompanhada de uma leitura generosa da juventude, que ele chamou de “civilização distinta”. Para Mujica, os jovens de hoje vivem em rede, em “multitudes”, mas também enfrentam a solidão. E é a eles que cabe a tarefa de transformar o mundo. “Esse tempo que vai vir e em que os mais velhos não vão estar vai ser distinto, mas vão aparecer as frustrações e os ganhos de nosso tempo.”
O reencontro com a UNILA viria quase uma década depois. Em fevereiro de 2024, Mujica participou da Jornada Latino-Americana e Caribenha de Integração dos Povos, evento que reuniu mais de 1.500 pessoas de diversos movimentos sociais, partidos políticos, sindicatos e lideranças de todo o continente. Ao lado da vice-presidente da Colômbia, Francia Márquez, voltou a falar diretamente à juventude.
“Vocês são privilegiados porque estão em uma universidade. Tem milhões de jovens que não têm essa oportunidade. Vocês podem gastar tempo em cultivar sua cabeça. Mas precisam pagar à sociedade que não está aqui. Não com dinheiro, mas com compromisso”, afirmou. E completou, com uma provocação: “Em que vocês vão gastar a sua vida? Em confundir ser com ter? Em viver e envelhecer pagando conta?”
A despedida, que não parecia ser definitiva naquele momento, veio com um chamado à resistência. “Tenham uma vida com sentido. Não deixem sua alma ser derrotada pelos interesses egoístas da época em que vivemos.”
A reitora da UNILA, Diana Araujo Pereira, acompanhou de perto as duas visitas de Mujica à instituição. Para ela, o ex-presidente uruguaio representa mais do que uma figura pública: é um símbolo de perseverança e de compromisso com os ideais que deram origem à própria universidade. “Ele nos disse que a integração da América Latina não acontece de um dia para o outro. É preciso mexer nas estruturas, mudar mentalidades, envolver o povo. Não basta querer, é preciso fazer. Na UNILA, guardamos sua presença como uma lição viva.”
A história de Mujica antecede seus mandatos. Nos anos 1960, integrou o Movimiento de Liberación Nacional – os Tupamaros –, uma das principais organizações armadas de esquerda do continente. Com o endurecimento da ditadura militar uruguaia, passou quase 15 anos na prisão, dos quais 13 foram em confinamento solitário. Após a redemocratização, fundou o Movimiento de Participación Popular (MPP), dentro da Frente Ampla, e ocupou cargos como deputado, senador e ministro da Agricultura.
Nos corredores da UNILA, seu nome continuará a circular não apenas como referência política, mas como parte da construção de uma identidade regional e coletiva. Uma memória viva que agora cabe aos estudantes, professores e servidores da universidade manter em movimento.
Assista às falas de Pepe Mujica em suas visitas à UNILA:
- Da redação com UNILA
- Foto: Banco de Imagens da UNILA