Justiça manda Prefeitura de Foz devolver 7 mil livros recolhidos após pressão política
Uma decisão liminar da 2ª Vara da Fazenda Pública de Foz do Iguaçu determinou que a Prefeitura devolva às escolas municipais sete mil exemplares do material didático de inglês English After School, recolhidos no início de junho após críticas de dois vereadores ao conteúdo. A sentença, assinada pelo juiz Wendel Fernando Brunieri, atendeu a um pedido de urgência do Sindicato dos Professores e Profissionais da Rede Pública Municipal de Educação de Foz do Iguaçu (Sinprefi) para evitar prejuízos pedagógicos enquanto o processo segue em análise.
O magistrado suspendeu os efeitos do Memorando Interno nº 40218/2025, expedido pela secretária municipal de Educação, Silvana Garcia, e deu prazo de dez dias para o retorno do material às unidades. Em caso de descumprimento, a própria secretária terá de pagar multa de R$ 10 mil, uma vez que “não seria pertinente punir o erário por ato de agente público identificado”, diz a decisão.
A medida foi tomada depois que vereadores divulgaram vídeos nas redes sociais acusando os livros de “induzir a sexualidade precocemente” e promover “doutrinação”. A pressão política resultou no recolhimento imediato dos exemplares, mesmo sem análise técnica ou consulta aos professores. “Não houve análise do material didático, juntamente com os profissionais, antes que a decisão de recolhimento dos livros fosse tomada. Não é apenas sobre o livro, é sobre a forma como a questão está sendo conduzida”, afirmou a presidente do Sinprefi, Viviane Dotto.
Críticas e constrangimento
Segundo o sindicato, os livros foram retirados das escolas na manhã de 2 de junho, antes mesmo de o memorando ser oficializado pela Secretaria Municipal de Educação (SMED). A ação deixou professores sem material de apoio, alunos sem acesso ao conteúdo planejado e gerou desconfiança entre pais e responsáveis, que passaram a questionar o trabalho pedagógico.
O Sinprefi também pediu na mesma ação reparação por danos morais coletivos, alegando ofensas à categoria e ilegalidade no ato da secretária. “O ato da secretária de Educação foi ilegal, sem motivação e sem finalidade, por tais motivos gera a nulidade. Se for confirmado que houve improbidade administrativa nesse caso ou em casos posteriores, o sindicato irá buscar a Justiça novamente e responsabilizar o agente causador”, disse a assessora jurídica do sindicato, Solange Silva.
Acusações
As críticas começaram após vídeos gravados pelos vereadores Bosco Foz e Ranieri. Bosco usou como exemplo uma figura com duas meninas conversando em inglês sobre o Valentine’s Day, dizendo que o material geraria “confusão na cabeça das crianças”. Ranieri afirmou que “questões de gênero são de responsabilidade e decisão dos pais” e classificou o livro como instrumento de “doutrinação”.
Professores rebatem que a leitura foi tendenciosa. “O que está havendo é que estão tratando o Valentine’s Day como se fosse o Dia dos Namorados do Brasil e não é a mesma coisa”, explicou Denise Vidal, professora de Língua Inglesa da Escola Municipal Getúlio Vargas. O conteúdo apenas contextualiza uma data comemorada em países de língua inglesa, como Estados Unidos e Canadá, destacando que “as pessoas do mundo inteiro enviam cartões que chamam de Valentines para celebrar este dia especial”.
Patrimônio público
Os livros recolhidos foram elaborados por docentes da rede municipal em parceria com pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Os direitos autorais pertencem ao município, que vinha utilizando o material há quatro anos. Segundo o Sinprefi, não há outro conjunto didático equivalente, pois ele integra uma abordagem bilíngue alinhada à realidade cultural local.
O sindicato ainda recebeu denúncias de que o recolhimento poderia beneficiar uma editora privada que fornece material para sistemas bilíngues de ensino, a Systemic Editora. Para esclarecer a situação, o Sinprefi emitiu nota pública, enviou ofício à Secretaria de Educação pedindo as análises que embasaram o recolhimento e solicitou à Câmara Municipal investigação sobre possível quebra de decoro parlamentar.
Reação da categoria
A retirada dos livros provocou manifestações de solidariedade. No aniversário da cidade, em 10 de junho, professores desfilaram de preto, com fitas pretas nos braços e nariz de palhaço, como protesto silencioso. Na mesma ocasião, Viviane Dotto entregou ao ministro da Educação, Camilo Santana, um documento relatando os “desmontes” na educação municipal e estadual.
Além das ações judiciais, o sindicato segue monitorando a possível responsabilização de agentes públicos.
- Da redação com Sinprefi