Carta de Foz do Iguaçu define normas para o uso ético de Inteligência Artificial na Justiça lusófona
A União Internacional de Juízes de Língua Portuguesa (UIJLP) aprovou, em 1º de novembro de 2024, a “Carta de Foz do Iguaçu”, que estabelece diretrizes éticas e operacionais para o uso de inteligência artificial (IA) no sistema judiciário. A declaração, firmada durante a Assembleia Geral Ordinária em Foz do Iguaçu, Paraná, busca assegurar que o Judiciário mantenha o controle e a independência na aplicação de ferramentas de IA, sem comprometer os princípios da justiça humana e imparcial.
Entre os pontos principais, a UIJLP reforça que a IA deve servir como uma ferramenta auxiliar no trabalho dos juízes, jamais substituindo a função decisória humana. As associações signatárias, representando magistrados de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, sublinham que o uso de IA deve ser eticamente responsável e promover a eficiência sem perder de vista a qualidade e a confiança do público na Justiça.
A carta também alerta sobre as limitações da IA e recomenda que juízes sejam capacitados para lidar com essa tecnologia, assegurando que ela seja empregada de forma ética e supervisionada. Desta forma, a UIJLP espera que a adoção da IA no Judiciário se dê de maneira segura, transparente e autônoma, mantendo os magistrados no controle das decisões finais.
Confira a integra da carta:
A UNIÃO INTERNACIONAL DE JUÍZES DE LÍNGUA PORTUGUESA (UIJLP), entidade que congrega as associações nacionais dos Juízes de ANGOLA, BRASIL, CABO VERDE, GUINÉ-BISSAU, MOÇAMBIQUE, PORTUGAL, SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE e TIMOR-LESTE, vem a público declarar os seguintes princípios sobre o uso de ferramentas de Inteligência Artificial (IA) na Justiça:
- Independência do Poder Judiciário: O Judiciário independente é um pilar do Estado Democrático de Direito e a utilização das tecnologias de inteligência artificial no sistema de Justiça deve se dar de maneira ética e responsável, garantir a intermediação judicial, a indelegabilidade da jurisdição, a qualidade da resposta dada aos jurisdicionados e a preservação da confiança da população no trabalho desenvolvido pelos juízes.
- Ferramenta de trabalho e intermediação do juiz: A tecnologia de inteligência artificial utilizada no sistema de Justiça é considerada uma ferramenta de trabalho, desenvolvida e administrada pelo Judiciário, sem a interferência de quaisquer órgãos dependentes de outros Poderes do Estado, e com a garantia de que os textos produzidos com sugestões de decisão ou despacho sejam sempre revisados e intermediados pelo juiz, que indicará o sentido da decisão ou despacho.
- Jurisdição e qualidade: O juiz deve estar ciente das limitações das tecnologias de IA e assegurar que seu uso não comprometa os direitos das partes a que a decisão seja o resultado do julgamento do juiz. É fundamental que o juiz não delegue sua função jurisdicional a sistemas automatizados e sempre mantenha a intermediação judicial e a qualidade da resposta dada aos jurisdicionados.
- Humanismo e confiança: A decisão é sempre do juiz, que deve revisar os textos sugeridos por ferramentas de IA, com base em direcionamento do juiz, para garantir que a Justiça seja administrada de forma humana e responsável e para preservar a confiança pública no sistema judicial.
- Benefícios e uso auxiliar: A utilização de sistemas de IA na Justiça pode trazer inúmeros benefícios, como a celeridade na análise de processos, a padronização de procedimentos e a redução de erros humanos. No entanto, essa tecnologia deve ser utilizada como uma ferramenta auxiliar e não como um substituto para o julgamento humano. As ferramentas de IA devem ser empregadas para apoiar o trabalho dos juízes, fornecer sugestões de textos, conforme indicação do juiz, para que possam ser revisados e analisados.
- Consciência das limitações: Os juízes devem estar plenamente conscientes das limitações das tecnologias de IA, incluindo a falta de compreensão contextual, que só um ser humano pode oferecer. As ferramentas de IA podem ser programadas para analisar grandes volumes de dados e identificar padrões, mas não substituem a capacidade humana de interpretar nuances e contextos específicos de cada caso. Portanto, a revisão e análise dos textos sugeridos pelas ferramentas de IA são essenciais para garantir que as decisões judiciais sejam justas e equitativas.
- Controle do juiz: O juiz deve manter o controle sobre o processo decisório, utilizar as ferramentas de IA para melhorar a eficiência e a precisão, mas sem delegar sua função jurisdicional a sistemas automatizados, pois a decisão final deve sempre refletir o julgamento do juiz.
- Desenvolvimento autônomo: As ferramentas de inteligência artificial utilizadas no sistema de Justiça devem ser desenvolvidas e administradas pelo próprio Judiciário, de forma autônoma e sem a interferência, em quaisquer das fases de desenvolvimento e execução, de órgãos sujeitos ao controle de outros Poderes do Estado, para garantir e assegurar a independência do Judiciário e a preservação de sua autonomia.
- Capacitação dos juízes: A formação contínua dos juízes em relação ao uso de ferramentas de IA é fundamental. Os juízes devem ser capacitados para entender como as tecnologias de IA funcionam, suas limitações e como utilizá-las de maneira eficaz e ética. Isso inclui a participação em cursos, seminários e outras atividades educativas que abordem o uso de ferramentas de IA no sistema judicial, para promover uma cultura de aprendizado e desenvolvimento profissional.
- Suporte, sem substituição: O uso das ferramentas de inteligência artificial no sistema judicial serve para apoiar, mas nunca substituir, o julgamento humano. O juiz deve revisar todos os textos sugeridos pelas ferramentas de IA, para garantir que as decisões sejam produto do julgamento criterioso do juiz, calcado em uma análise cuidadosa dos fatos, da Constituição e das leis.
Foz do Iguaçu, 1º de novembro de 2024.
ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES DE ANGOLA – AJA, ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS – AMB, ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS JUÍZES CABOVERDIANOS – ASJCV, ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS MAGISTRADOS GUINEENSES – ASMAGUI, ASSOCIAÇÃO MOÇAMBICANA DE JUÍZES – AMJ, ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS JUÍZES PORTUGUESES – ASJP, ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS SÃO-TOMENSES – ASSIMAJUS, ASSOCIAÇÃO DE MAGISTRADOS JUDICIAIS DE TIMOR-LESTE – AMJTL
- Inteligência Artificial