Coluna do Corvo

Itaipu, de novo…

O jornal Folha de São Paulo estendeu uma longa manchete em seu varal na última quarta-feira 16/04: “Superávit de 4 bi em Itaipu mostra que consumidor paga mais do que deve, dizem especialistas”. Alexa Salomão, que escreve sobre economia, finanças, negócios e meio ambiente assinou a publicação. Ela inicia o trabalho avaliando um “alarde” da Binacional ao comemorar o superávit de US$ 680 milhões, ou R$ 4 bilhões, ao câmbio desses dias, o que seria 16 vezes mais que no ano anterior. Os analistas financeiros “ficaram espantados” e segundo a matéria, “o saldo positivo agora alimenta a percepção de que Itaipu tem mais dinheiro do que consegue gastar”.

 

Pergunte à Alexa

Trocadilho e humor, pois a Alexa jornalista merece todo o meu respeito, foi editora de Economia de 2017 a 2022 e atua na área desde 1994, com destaque para macroeconomia, finanças, energia, infraestrutura e agronegócio. É formada em Jornalismo pela UFMG, tem pós-graduação em Finanças pela UFRGS e MBA em Derivativos pela Fia/USP. Tem uma xará na cozinha lá de casa e toda a vez que eu peço um tango, bossa nova ou música italiana, ela manda bolero, samba e títulos latino-americanos em espanhol. Isso acontece porque o ambiente virtual ainda não foi totalmente absorvido pela grande variedade de informação, a começar pelo diversificado cardápio musical. Mas a Alexa jornalista é diferente. Não recebe e não aceita ordens. Quem ler com atenção o artigo sobre Itaipu, publicado por ela, notará cuidados e, também preciosismo.

 

Vamos combinar

Os governos brasileiros pisaram e caminham em ovos toda a vez que sentem o cheiro de pressão paraguaia para arbitrar a tarifa da energia da Itaipu. A metida de nariz da ABIN causou uma grande esculhambação e no meio da bagunça, há muita gente torcendo secretamente para o Paraguai não arredar o pé, e forçar uma nova majoração de tarifa, para US$ 22,60. Há quem desconfie até que arapongagem foi encomendada pelo sócio.

 

Clientela cativa

Itaipu, como recém escrevemos, vende o seu único produto para apenas dois clientes: a ANDE, no Paraguai, e a ENBPar, no Brasil, logo, operando no atacado, tenta fazer o bom negócio.  O valor que é pago pelos clientes cobre todos os custos e o “x” do problema parece ser a sobra, ainda mais após a quitação da dívida de construção do empreendimento binacional. No fundo, o que incomoda mesmo, são as ações socioambientais promovidas pela empresa e isso, não encarece de modo algum a conta de luz dos brasileiros. E por falar nisso, tais providências são muito necessárias e parece que ninguém vê; Itaipu precisa garantir a manutenção da usina, cuidando da água, matéria prima para a geração de energia. Durante 50 anos Itaipu precisou conter o assoreamento, e buscou soluções que hoje chamam a atenção do mundo! Mas, seguem procurando pelo em ovo. Aqui entre nós, há um debate e ele é necessário, porque está calçado nas raízes republicanas. Vai que o tal superávit seja um adiamento de desembolso, de onde sairão os recursos para a retomada de uma porção de obras e investimentos, enfim, mantendo o Programa Mais Energia. Itaipu afinal, precisa de caixa para manter os desembolsos, o que não ficou claro e nem foi mencionado na recente matéria.

Violação?

Ao que se entende, também consultando especialistas, não há uma violação no Tratado e o que pode haver é um equívoco de interpretação. O tal CUSE, o Custo Unitário dos Serviços de Eletricidade e o orçamento foram estabelecidos em contrato trienal (2024 a 2026). Nesse modelo, a ocorrência de saldos é comum. No fim das contas o saldo é binacional, incluindo o uso dos recursos pelos paraguaios, que continua sendo dono de 50% da usina. Até a inteligência artificial brinca com o assunto.

 

Itaipu segue na barca

Segundo Itaipu, a usina contribui para a queda do preço médio de repasse dos contratos das distribuidoras e ajuda a reduzir o custo da energia elétrica no mercado regulado no Brasil. A empresa destinará US$ 358,8 milhões em 2025 e US$ 350,8 milhões em 2026 para a modicidade tarifária, cumprindo a política pública definida pelo Governo Federal, reforçando que manterá a mesma tarifa no mercado regulado adotada em 2023. Desde aquele ano a tarifa foi reduzida em 26%, uma das menores entre as hidrelétricas do Sul, Sudeste e Centro-Oeste. La nave vá…

 

Renegociação suspensa

Parte do problema poderia estar sendo resolvida — ou, ao menos, bem encaminhada — com a conclusão da renegociação do Anexo C do Tratado de Itaipu, que define as bases financeiras da operação binacional. A negociação, conduzida de forma reservada pelas chancelarias de Brasil e Paraguai, caminhava para um anúncio conjunto no próximo 17 de maio, data emblemática do aniversário de criação da Itaipu Binacional. Mas a bisbilhotagem da ABIN jogou tudo pelos ares. Diante da denúncia de espionagem, o governo paraguaio suspendeu unilateralmente as conversas. O que parecia prestes a se tornar um acordo histórico virou um impasse incômodo — e caro.

 

Diplomacia ferida, mas viva

O incidente da ABIN travou o avanço técnico do Anexo C, mas não deve ser confundido com um abalo estrutural nas relações Brasil–Paraguai. A solidez do vínculo entre os dois países resiste a crises episódicas. Vale lembrar: foi com o Tratado de Itaipu que a diplomacia brasileira conseguiu, com habilidade e paciência, encerrar um diferendo fronteiriço que se arrastava desde o século XIX. Itaipu, antes de ser uma usina, é um feito diplomático. A famosa Ata do Iguaçu, assinada em 1966, foi a semente que resultou no tratado de 1973. Espionar o vizinho não é prática de boa vizinhança — mas os alicerces seguem firmes.

 

JGR

Vale sempre ressaltar que embora se dividam as opiniões e fontes históricas, teria sido João Guimarães Rosa o redator da “Ata do Iguaçu”, derivada de uma reunião tensa entre os chanceleres Juraci Magalhães do Brasil e o paraguaio Sapena Pastor. Chegaram a falar em guerra entre os dois países em razão das Sete Quedas. No fim o documento foi assinado. Um dia voltarei ao tema. O documento original seria o “Santo Graal” na composição da história de Itaipu. Reza a lenda que no manuscrito constaria as iniciais “JGR”, o caso é que o documento jamais saiu dos arquivos, ou pelo menos nunca foi encontrado.

 

Ganhos congelados

Quem esperava que a renegociação do Anexo C traria alívio à pressão tarifária e mais previsibilidade para os investimentos binacionais, terá de aguardar. O congelamento das negociações deixa em suspenso uma série de ajustes aguardados nos mecanismos de cálculo do CUSE, e nos parâmetros de reinvestimento dos saldos operacionais. O que poderia ser uma janela para modernizar a governança financeira da usina, virou uma cortina opaca. E por trás dela, seguem se acotovelando narrativas — umas legítimas, outras nem tanto. Enquanto isso, o superávit anunciado vira munição para discursos desencontrados.

 

Que venha o feriado santo!

Deixando a usina de lado, o calendário não é apenas cristão e judaico, é recebido por todo o mundo com a reflexão do renascimento, recomeço, renovação e, salvação. Os cristãos relembram a morte e ressureição de Jesus, os judeus a fuga do Egito, após meio milênio de escravidão. Os ensinamentos perduram e com força, porque mergulhamos em pensamentos positivos, embora isso não seja recompensado e menos compreendido por muitos. Há quem não assimile as tragédias, os descasos, as diferenças, guerras, e não compreenda a vingança da natureza, crendo em punição divina. Quase tudo advém das maldades contra o meio ambiente. Aí temos um conflito de “naturezas”, a homem contra o habitat, como fosse a casa da maria joana. Nos deparamos com isso pelas ruas, riachos e, contemplando o horizonte, na fumaça de queimadas e chaminés. Uma barbaridade. Lembramos o que aconteceu no espaço de três mil anos, mas não nos impostamos com aquilo que causamos em menos de dois séculos. Não consigo me incluir “fora dessa desumanidade”.

 

Assunto de Estado

Está prevista para esta quinta-feira (17/04) uma reunião entre o presidente Lula e o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. Embora conste como compromisso de rotina na agenda oficial, não se trata de um simples despacho. O encontro deve abordar temas sensíveis da política externa, entre eles o mal-estar diplomático com o Paraguai, acentuado pelo caso de espionagem envolvendo a ABIN. A atuação discreta e firme do chanceler brasileiro tem sido elogiada nos bastidores, e há expectativa de uma visita sua a Assunção já na próxima semana. Se houver avanço, não se descarta um encontro entre os presidentes Lula e Santiago Peña ainda em maio. A data de aniversário da Itaipu Binacional, no dia 17, seria uma oportunidade simbólica — mas a viagem de Lula à Rússia e à China, de 7 a 14 de maio, pode adiar esse gesto de reaproximação para o fim do mês.

 

Jesus nas telas

Os canais fechados estão virados em filmes religiosos, séries, documentários, refazendo os “ensinamentos” até com certa ferocidade, como existissem mais demônios à solta que fiéis. Vai ver isso existe mesmo; há mais bruxas, vampiros e criaturas perversas do que anjos e humanos. Por gostar de cinema e televisão, em razão do sono frágil, passei duas madrugadas revendo The Chosen, a série gospel do momento. O intérprete de Jesus desempenha um papel tão bacana, que me recuso assistir o episódio da crucificação, prometido ser exibido em breve. Mas é exatamente isso que os produtores calcularam: como fizeram uma barbaridade daquelas com um cara como Jesus? E, a série deixa bem claro que foi obra de alguns rabinos, tentando coexistir no domínio romano, Herodes e as mãos lavadas de Pilatos. O martírio do Cristo ensina, mas não é possível deixar uma criança assistir ao filme de Mel Gibson; segundo o diretor, foi muito pior em realidade, então é de imaginar como os condenados sofriam no passado.

 

Bela história

Sem blasfemar, muitos devotos cometem pecado ao lembrarem experiências pessoais, o que lhes acontece e não a outros. “Puxa vida, eu só fiz isso e estou pagando um preço alto. Fulano fez pior e não aconteceu nada”. Aí é um problema de justiça; os romanos optaram em realizar uma pesquisa pública e naqueles tempos a natureza humana já dava provas da inconstância, intolerância e ignorância ao libertarem o zelote Barrabás no lugar de Jesus. Até parece que havia redes sociais!

 

Duplo feriado

E o Tiradentes? Taí algo a mais para pensar. A Inconfidência Mineira, nem de perto pode ser comparada aos ocorridos no 08/01. E Joaquim José da Silva Xavier pagou com o pescoço e esquartejamento, sem chances de anistia. A Corte de Portugal foi implacável e praticamente sumária. Tem muita gente no PT cantando o samba enredo, “que beleza, a nobreza do tempo colonial. Ô-lê-lê, ô-lá-lá, pega no ganzê, pega no ganzá”. Uma boa Páscoa a todos!

  • Por Rogério Banato

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